Crônicas

O AMOR
Autor: Marcos Maluly

    Não amamos outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta ligando ou colocando anúncios em jornal. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
    Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano Veloso ou Fabio Júnior. Isso são só referenciais. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira de olhar, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela petulante. Você escreveu duzentas cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

    Você gosta de forró e ela de MPB, ela gosta de praia e você tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então, que ela tem um jeitinho de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brincar com ela e ela adora sorri com você. Isso tem nome. Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não vem, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha.

    Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca sanfona, adora gatos e escreve poemas pra você. Por que você ama este cara? Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

    É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no hotel. Gosta de viajar, de música, tem loucura por celular e seu fettuccine ao molho ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor? Ah,  quem dera que o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. 1 + 2 = 3 X família.
    Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é amaneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.



QUERO SER UMA BESTA QUADRADA.
Autor: Marcos Maluly
Ilustração: Raquel Forner

   Fui ver um show de uma banda, que está estourada mundo afora. Disseram-me que era "maravilhosa, um refrigério para o mundo atual". Armei-me de um litro de cachaça e um chapéu de couro, e como todo bom forrozeiro, mergulhei no meio da multidão.

Adorei! Era uma verdadeira perfumaria, tinha todos os aromas existentes no mundo. Durante duas horas, esqueci de mim mesmo, e descobri a que a verdadeira essência é ser  alienado. Fiquei ali parado feito uma besta quadrada, enquanto entrava pelos meus ouvidos musicas apelativa, como: “Senta, senta Ana Tereza, Ela é rapariga de morrer, Novinha não chora papai vai te dar gagau agora, Bumbum de martelo e por ai vai”. 

    O cantor em uma traje apertadíssimo, passa todo o show puxando a calça, tentado alivia a costura que comprimi seu órgão genital, e as garotas em uma coreografia, repete os movimentos ordenado pelo  cantor em total alienação. Eu quero, eu preciso me "alienar". A "alienação" virou uma necessidade social.  Luzes, fumaça, painéis coloridos e muito rebolado, parece ser  tudo combinado antes do show. Aonde foi para aquele bom e velho forró? Onde anda o xote, xaxado e o baião de Luiz Gonzaga? Não se escuta mais esses ritmos nos festejos juninos.

    Saí do show com um zumbido nos ouvidos e pensando, “não quero ser mais eu. Eu não me aguento mais, quero me "alienar", e virar, se necessário, uma besta”. Eu tocava violão, mas a vida me levou a virar jornalista, profissão que adoro, mas que me obriga a uma incessante observação do dia-a-dia, fazendo-me amargurado, num crescente rancor por um nordeste que perde suas raízes e não se conserta, espelhando-se em culturas alheias.

    Enquanto isso a cultura nordestina vai desaparecendo aos poucos, estamos sós. Não temos mais Luiz, Marines, Dominguinhos, entre outros, estamos sós, nossa cultura está cada vez mais rala, não nos propomos a resgata-la. Vivemos dentro da angustiante democracia musical, que nos amaldiçoa ao esquecimento.

    Ei! Avante, nordestinos forrozeiros, sofredores, sem apoio, onde o princípio básico é o "Não" - a negação da cultura nordestina das festas de São João, das fogueiras e dos balões. A tendência é a técnica do “nada a ver, a conduta do evitarão". Enquanto isso a nova geração aprende que a cultura nordestina é o “funk ostentação”. Não quero ser radical e nem fala do funk , não tenho nada contra, só que o nordeste tem que acorda e ver que a cultura de um povo  perde-se no tempo.

    Precisamos acorda e transforma o nordeste em festas! Semear a cultura e dividir a herança herdada de nossos cantores, cantadores, violeiros, repentista! Resgatando nossas raízes. Não podemos continuar assim, "alienados", com os olhos tapados, cultivando a estupidez, com devoção à cultura alheia. Consumindo a baba dos imbecis, poderemos chegar ao esquecimento e, num rasgo de felicidade, amar para sempre a beleza do excremento. Acorda nordeste!!