Crônicas

INFÂNCIA
Autor: Marcos Maluly

Canta, dança, grita, ô, ô, ô, ô , ô, ô, ô, ô! Sou o nono filho de uma família numerosa, acordava cedo todos os dias para assistir Sitio do Pica-pau Amarelo. E as quartas á tarde o seriado “Bonanza”, eram imperdível, curtia The Beatles e tinha todo e qualquer vinil do grupo Menudos. Vestia roupas dos Menudos, ouvia Menudos, dançava Menudos, sem fala em um poste do grupo colado na parede do meu quarto.

Um dia, ao chegar da escola, entrei no quarto em busca de um disco para curti um pouco antes de fazer minhas tarefas e encontro colocado no lugar de minha coleção o vinil “Traduzi-se” de Raimundo Fagner. Imediatamente, peguei o disco, pensei. "Fagner? Quem é esse?!" Coloquei o disco na vitrola, e, ai, ai, ai. Levei o maior susto de minha vida. Sabe aquele susto bem coisa de bichinha quando ver barata? Pois é, foi esse. O som que tocava não se parece nem de perto com o som dos Menudos.

No lugar da alegre melodia do grupo, saía uma música, chata, parada, na voz de um homem chato, irritante. Raimundo Fagner? Que história é essa, meu Deus onde está a coleção do Menudos? E chorei desesperadamente. Quero acordar desse pesadelo! Se naquele tempo existissem telefones celulares, eu teria ligado de imediato para minha mãe e para todos meus irmãos, a cobrar, de preferência. Que porra é essa! Raimundo Fagner? Tudo o que podia fazer, no momento, era chorar, chorar. Enquanto me lamentava. Por quê? Por quê? Isso não é justo!

O tempo passou, e eu superei sem maiores problemas. Hoje os garotos na pré-adolescência quando tem um trauma ou são levados para um analista ou viram viciados vivendo em terminais, tornando-se vendedores ou pedintes nos faróis para sustentar o vício. “Eu podia esta roubando, me prostituindo ou usando droga, mas estou pedindo...” Na adolescência, eu descobri Titãs, Barão Vermelho, Caetano e Gil. Foram tantas boas descobertas que no momento não me vem à liderança.

Eu só queria ser rebelde e está sempre em contradição, como todo e qualquer adolescente da minha idade. Na época, descobri as melhores bandas e que o melhor canal de televisão do mundo que apresentava o programa de Chacrinha. Um prato cheio para minha fértil imaginação. Descobri também que a melhor maneira de gastar dinheiro que ganhava de meus pais, era em shoppings, cinemas e na revista playboy com pôsteres maravilhosos de modelos com Gretchen, Rita Cadillc e tantas outras. Foi à época de minha vida que meus banhos tornaram-se mais demorados. Enquanto isso, meus irmãos ouviam as músicas daquele cara que estragou um grande momento da minha vida.

Ao completar 17 anos, me achando muito macho, resolvi sem pretensão nem uma ouvir o disco de Raimundo Fagner que encontrei em minha casa. Escondido, é claro. Ouviu uma vez. Ouviu outra vez. E de novo. E de novo. Achei tão bom, que terminei cantando junto. E fiz isso vários dias seguidos. Não é que o cara é bom! Depois disso, ouvi Toquinho, Vinícius, Caetano, Gil, Djavan e por aí vai. Não me dei conta, que me tornará fã, amante e defensor de bandas de Rock nacionais e de cantores como Cazuza, Elis entre outros. Em seguida, entrei na faculdade de medicina. Descobriu uma nova paixão.

Descobriu também que cuidar das pessoas é muito importante. Comprei CDs, DVDs e livros sobre todo assunto que pudesse interessar a mim. Lotei toda minha casa, tendo que montar em um dos quantos uma biblioteca. Hoje recordo com saudade de minha infância e nenhuma vergonha das noites que passei dançando nas baladas ao som dos Menudos, de todas as garotas que desejava beija e não beijei. O processo de amadurecimento é longo e cheio de etapas, todas inesquecíveis e indispensáveis.... Tenha certeza que se um dia acreditar que já aprendeu tudo sobre todas as coisas, sua vida terá chegado ao fim.